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  • Foto do escritorOlga Curado

Mais dúvidas, por favor!

Menos certezas, por favor!


Houve um tempo em que a Terra era plana. Até que Colombo colocou um ovo de pé.


Também houve um tempo em que o sol girava em torno da Terra. E foi preciso olhar as estrelas e descobrir o sistema solar e ver a Terra como uma conta no colar de planetas.


Houve um tempo em que São Jorge matava o dragão na Lua, até que a Lua ficou muito perto e São Jorge foi embora com o seu dragão.


Certezas são assim. Provisórias. Nós as temos até que não as tenhamos mais. Fatos novos abalam as convicções, quando olhamos os fatos. Mas também podemos escolher fechar os olhos para os fatos. Aí as certezas se transformam em dogmas. E nunca erramos. E, se a pessoa não tem dúvidas, diria o genial Millor Fernandes, significa que está mal informada.


A Terra tem ficado plana novamente.


Um dos muros da comunicação são as certezas dogmáticas. É o estar certo. A comunicação, a ponte por onde transitam os conteúdos que nos aproximam das pessoas é implodida com as afirmações definitivas onde não há espaço para duvidar, para o desconhecido, para o mistério.


No treino do Aikido chamado jiyu waza , que significa treino livre - não há regras estabelecendo formas de atacar ou de defender. Não há certo ou errado, contando, naturalmente que seja Aikido. O ataque pode vir de qualquer jeito , e o nage, assim denominada a pessoa que realiza a defesa, igualmente responde como puder. Quem é iniciante na prática da arte responde os ataques repetindo os poucos golepes aprendidos. O nage experiente irá variar nas formas lançando mão de um maior repertório de técnicas. O praticante bastante avançado irá criar novas técnicas , além do aprendido, liberando o seu corpo e a sua mente para se adaptar livremente aos ataques. Em Aikido essa maneira de treinar é chamada Takemusu Aiki, a espontaneidade na realização das técnicas. Quando corpo, mente e sentimentos estão alinhados, dizia o Fundador do Aikido, surgem infinitas técnicas. Para isso é preciso abrir mão do controle , abrir mão das certezas e ficar disponível.


Reconhecer a própria ignorância e limite é se permitir ir além da reiteração e da mesmice, é ter curiosidade, é aventurar-se. Admitir a dúvida, o não saber , não invalida a pessoa que aceita a existencia de lacunas, pois estas fertilizam o campo para descobertas. Abandonar o espaço da certeza cria trocas com enriquecimento recíproco.


Eu me pego muitas vezes impaciente escutando uma narrativa, seja pelo conteúdo detalhista , seja abstração genérica da apresentação, seja pelo ritmo lento ou hesitante, pela ênfase cortante ou pela fala atropelada. Possuo uma definição e expectativa sobre o jeito correto de como as cosias devem ser contadas. E isso me impede de escutar. Eu me apresso em concluir o que não foi dito para reforçar o que tenho a dizer. No centro da certeza está intolerância. Para comunicar é preciso andar junto. E que eu ajuste o passo.


Foi com certezas provisórias que a ciência se inventou e reinventou. Foi desconfiando de dogmas que as pesquisas se aprofundaram e trouxeram problemas novos e novos entendimentos.


A ansiedade das pessoas que querem estar totalmente "preparadas" , totalmente corretas, para lidar com situações em que estão expostas ao público, por exemplo, e sem qualquer risco de errar é o sintoma da síndrome da onisciencia. Revela a ambição pelo controle das contingencias que por natureza são completamente descontroladas. A ambição da certeza cria a couraça que bloqueia as emoções, nega as sensações e bane o novo. Cria a mediocridade - o pret a porter - com fórmulas que transformam o palestrante numa marionete, o líder numa caricatura, o porta voz num robô.


A comunicação é uma ponte que apenas faz sentido se o tráfego puder fluir sobre ela. As certezas dogmáticas são como bombas que explodem a ponte impossibilitando a travessia. Cada qual fica na margem oposta do rio. Se a Terra começa a ficar achatada , se os fatos são desmentidos por convicções, se a verdade é a minha verdade, então, estamos todos condenados a falar sozinhos.



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