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  • Foto do escritorOlga Curado

O ralo entupiu


De repente o que era para ser levado pelo encanamento de fim inescrutável, teima em saltar na borda do ralo, às vezes camuflada por uma espuma de sabões recentes, às vezes em tons beije de sujeira mais antiga.


É momento de tensão. O ralo entupiu! Nessa hora é preciso um arsenal de disposição e coragem – afora o desentupidor clássico para sugar e bombear com determinação o que vem à tona, no afã de devolver a sujidade ao destino contratado.


Ralos de banheiros, de áreas de serviço, de terraços , de ruas, de avenidas , entopem. Como entopem artérias no nosso corpo e bloqueadas , nos matam. Como entopem os canais por onde escorrem as lágrimas e nos mostram secos, quebradiços, diante do outro.


Quando entupimos os nossos espaços internos por onde devem circular afetos , fontes de vigor – porque nos vinculam, nos afetam , e tocados podemos também tocar o outro , numa troca vital , o que é jogado para fora são as nossas sujeiras internas. Sujeiras que acumulamos, e cristalizamos, bloqueando a passagem para o que nos soma : empatia, compaixão, atenção.


Reconhecer que ralos entopem nos obriga a precauções, a profilaxias. No banho recolher os fios de cabelo antes que se acumulem na beirada do ralo; nas áreas de serviço limpar e jogar os ciscos no lixo; nas ruas é preciso varrição regular e a limpeza dos canos. Tudo para que a sujeira não transborde.


Em nós o desafio é em manter os espaços internos livres, disponíveis para a circulação dos afetos. A raiva, o rancor, o ressentimento, a inveja, o ciúme - funcionam como os fios de cabelos nos ralos dos banheiros, e como os objetos que não se dissolvem e fazem transbordar os ralos das ruas-. Se não são limpos regulamente se amalgamam formando uma barreira que nos impede ser tocados pela dor do outro, que nos deixa indiferente ao júbilo das conquistas do outro, que nos faz ignorar e emocionar com os gestos de atenção – pequenos, o possível – de quem divide o tudo que possui, sendo quase nada.


Ontem vi a mulher, no noticiário, uma diarista, numa via sacra tentando devolver o depósito feito na sua conta, de 600 reais a mais do auxílio emergência. E não conseguia . O canal para a devolução não existia. A burocracia a empurrava para distintas instâncias. Os ralos entupidos, um atrás do outro. Espaços desacostumados com o fluxo da honestidade. Todos entupidos.


Sou privilegiada com um terraço no meu apartamento onde fico ao sol longos momentos ao lado da minha cachorra Pipoca – , bençãos - , ela, o terraço e o sol, amenizando o confinamento. Depois da rápida lavagem rotineira do calçamento que Pipoca suja, me dei conta que o ralo estava entupido. A água não escoava. Com a ajuda do Marcos, o zelador, e um poderoso desentupidor de cabo longo, conseguimos empurrar o que estava bloqueando a passagem da água e o ralo desentupiu. Eu me dei conta que apesar de limpar diariamente o local , não bastava. Marcos, na sua sabedoria , olhando além das minhas possíveis providencias preventivas, me disse:– São essas obras do lado ( dois prédios em construção), fazem muita sujeira.


Para manter ralos limpos não basta fazer a nossa pequena parte - limpando as borda dos nossos espaços domésticos e pessoais . É precioso ampliar a visão. O cuidado comigo é o cuidado com o outro. Não pode ser diferente, ou o ralo entope.

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